terça-feira, 3 de abril de 2012

LEI DA FICHA LIMPA: SINAL DE QUE O STF PODE ESTAR MUDANDO SUA ORIENTAÇÃO QUANTO À VALIDADE DOS PRECEITOS CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL?

Em nosso País, como em praticamente todos os Estados Democráticos de Direito, não se admite que uma lei infraconstitucional, seja ela qual for, tenha ela a importância que tiver, se contraponha à Constituição Federal (CF), cabendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) impedir que tal violação ocorra (CF, artigo 102, caput).

Se assim não fosse, isto é, caso uma lei qualquer pudesse ferir uma regra constitucional, reinaria, pode-se apostar, a mais absoluta anarquia e a mais completa insegurança jurídica, cenário no qual, também pode-se apostar, nenhum país ou empresa estrangeira aceitaria correr o risco de firmar tratados ou acordos com a gente ou aqui fazer investimentos.

É justamente por isso que, doa a quem doer, custe o que custar, haja o que houver, frustre-se ou não eventual vontade de multidões, deve o STF agir com a máxima firmeza e intransigência sempre que se deparar com leis que infrinjam a Carta Republicana. Não foi, entretanto, o que aconteceu, recentemente, com a Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, também chamada de Lei da Ficha Limpa, cuja constitucionalidade foi reconhecida e assim declarada pela nossa mais alta Corte de Justiça, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30, e da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4578.

Defendida com incontido entusiasmo por sete dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal, venceu a tese de que o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da CF, não se aplica a pessoas que tenham sido condenadas por decisão colegiada, não importando se tal decisão esteja aguardando trânsito em julgado. Restringiu-se, assim, a validade do preceito constitucional em comento, embora nele não conste qualquer menção indicando a existência de pessoas que, por esse ou aquele motivo, estejam excluídas do seu campo de incidência.

Tudo bem, é inaceitável que pessoas notoriamente desonestas, que talvez devessem até estar atrás das grades, possam candidatar-se livremente, ou seja, sem qualquer embaraço legal, a cargos eletivos, aproveitando-se do fato de que, pela lentidão do nosso Judiciário, demorará para perderem o status constitucional de inocentes. A pergunta é: para ver resolvida essa, reconheçamos, revoltante situação, precisava o STF abrir tão grave e perigoso precedente, não atentando para o velho e sábio adágio popular segundo o qual em porteira onde passa um boi, passa uma boiada?

Muito se falou, e continua se falando, que, no histórico julgamento da Lei da Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal “relativizou” o princípio constitucional da presunção de inocência. É verdade, mas muito mais do que isso, o que o STF “relativizou” de vez foi o seu papel constitucional de guardião da Carta Magna. Torçamos para que essa nova orientação que o Supremo Tribunal Federal parece (parece!) estar adotando não revele-se desastrosa.

Um comentário:

Hugo disse...

Aplicando a ficha limpa o STF continuou a aplicar a Constituição. O que houve foi a ponderação de princípios, moralidade e presunção de inocência, no caso concreto. Como não existe hierarquia entre princípios, não podemos falar que a CF foi ferida.